Poodle




Ofegante, me escondi atrás da porta. Meus olhos expressavam o horror em seu mais puro estado. Suava. Minhas mãos tremiam de forma incontrolável. Senti seus passinhos correndo em direção à porta. Seu focinho molhado, frio e negro. Seus dentes afiados, suas gengivas escuras e sua língua fina como de um lagarto.

Mas nada era mais aterrorizante que seus olhos. Negros como o sangue venoso que corria em seu corpo. Em seus olhos via o caldeirão do inferno fervendo em chamas.

Ele latiu.

Seus latidos finos soavam como gritos de horror das vítimas do holocausto. Senti que ele estava atrás da porta, suas patas afiadas como garras de dragão roçavam a madeira. Ele sentia meu medo transbordando no chão. Passou a rosnar como um monstro. O pavor que eu sentia naquele momento me vinha tão forte como a dor de uma crise renal.

Milk entrou pela porta da cozinha que tragicamente estava encostada, não tinha ninguém em casa pra tirar ele de perto da porta do banheiro, onde me encontrava trancado. Minha tia Mericlildes, dona do cachorro, tinha ido na padaria, ela sabia que o Milk não gostava de mim, por isso sempre manteve uma distância saudável entre nós dois. Nada justifica meu medo por poodles, somente o terror que eles emanam naturalmente. Como se eu não já estivesse com um medo estridente, ouço uma voz aterrorizante de trás da porta.

- Abre a porta, Eduardo.

Berrei horrorizado. Era o Milk. Ele falava com a voz no mesmo tom que rosnava. Falava quase arrotando, era monstruoso. Ao ouvir meu berro um tanto afeminado, confesso, ele insistiu:

- Eduardo, deixa de viadagem e abre logo esse caralho, porra.

Tremendo de medo, senti que ele estava inclinado a um diálogo e atendi seu pedido. Lá estava ele, com uma expressão aterrorizantemente humana, vestindo um robe vinho, com um copo de whisky on the rocks na mão direita e um charuto cubano na mão esquerda, com as pernas cruzadas, sentado em sua “caminha de cachorro”.

- Relaxe, vamos negociar.
- O que você quer de mim ?
- Eduardo...

Milk tragou o charuto franzindo os olhos, soltando a fumaça de uma forma que parecia demonstrar prazer propositalmente. Balançou seu copo de whisky e bebeu um gole mínimo, bochechou levemente a bebida antes de engolir. Respirou fundo e continuou falando:

- Quero que você faça um trabalho pra mim. Tem quinze mil dólares escondidos no armário de cima do quarto da gorda escrota (Mericlildes). Pegue o dinheiro para mim e lhe deixo em paz.
- Seu mentiroso!

Dei um tapa no copo de whisky que voou e caiu longe, quebrando, espalhando whisky e gelo por toda a sala. Milk pegou minha mão e apertou o charuto entre meus dedos me queimando todo enquanto falava esbravejando em meio aos meus berros de dor.

- Olha aqui seu MULEQUE, estou planejando isso há muitos anos. Não é um BABACA como você que vai me atrapalhar agora! Ouviu bem seu MERDA ?
- Ouvi, ouvi! Agora me larga!

Milk me soltou e me indicou o armário onde se encontravam os quinze mil dólares. Enquanto localizava a mala de dinheiro ouvia ele falando ao celular...

- Calma, porra. Estou pegando a grana, em poucas horas estou aí, segura tua onda aí, cadela.

Entreguei o dinheiro ao Milk, que empunhando a mala numa mão, olhando para mim, colocou seus óculos escuros, abriu a porta e exclamou:

- Adeus, otário.

Minha tia voltou da padaria chamando por Milk. Disse que não sabia dele. Ela chorou. Meses mais tarde deu falta da grana. Falou com meus pais que fui eu que roubei. Hoje estou no Quartel e adivinhem quem acabou de me mandar um cartão postal das Bahamas ? Ele, Milk:

“Eduardo,

As Bahamas é o paraíso. Sempre sonhei em vir pra cá. Nunca imaginei que a água poderia ser tão morna e transparente. Investi aqueles quinze mil dólares numa pousada e hoje vivo como um rei. Nunca pensei que aquele plano daria certo, mas deu. Hoje sei que as pessoas que se dão bem passam por cima de otários que nem você. Já sabe, se falar qualquer coisa com alguém, te mato muleque. Ah, te mato mesmo. É melhor nem duvidar. Sou mau pra caralho. Te meto-lhe a faca no meio dessa sua cara de babaca. Sinceramente seu,

Milk”


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