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Hermeto

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Hermeto era um rapaz alto, desengonçado e de poucas palavras. Gostava de sentar sozinho no bar e olhar para as placas dos carros e códigos dos ônibus que passavam, volta e meia soltava baixinho palavras que formava com as letras. Um potencial Asperger, diria uma grande amiga minha. Um copo de Coca Zero que mais servia de adorno que qualquer outra coisa, era o que permitia sentar ali no bar, em sua cadeira favorita. Me aproximei dele através de um amigo, que se divertia tratando de assuntos do cotidiano com Hermeto. Sua visão sobre o mundo era algo um pouco fantasioso, fora da caixa, ingênuo, mas sempre interessante. Meus amigos insistiam em ver somente o lado cômico e se divertiam no bar com as famosas “frases do Hermeto”. Um dia finalmente me sentei somente eu com ele, pois via que estava um pouco inquieto, como se precisasse falar algumas coisas. - Fala, Hermeto. - E aí. - Tá balbuciando aí, cara? Que foi? - Tô pensando na vida, essa coisa. - Que que tem? - É engraçado, a g

McDonalds

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Fomos todos para o Drive-thru do McDonalds. Ao chegarmos lá, nos deparamos com a já tradicional fila de carros. Sandro se mostrava impaciente e buzinava sistematicamente para os carros da frente. - Tô com fome!! Béeeéee Paramos em frente ao mural com as opções da lanchonete. Números de 1 a 6. - Eu quero um Big Mac sem cebola. - Ah, seu viadinho. - Ah, muleque. Vai se fuder! - Vai se fuder, você! Ninguém perguntou o que você quer não, porra! - Filho da puta! - Ei, ei, ei! Vamo parar com essa porra aí atrás! Senão os dois vão descer! Hora de pedir. A mulher não entende nada. - São dois guaranás, sendo um grande, e três cocas, sendo uma light. - A batata é grande, né ? - Duas são... - Duas ? - É... - ... - É a promoção, né... ? - ... - ... - São 27 reais e 40 centavos. - Aê, galera. Dá 5 reais aí cada um. Carlinhos, você dá 7 reais e quarenta centavos. - Porque eu ? - Porque sim. - Mas eu só pedi uma torta de maçã. - Por isso mesmo. Estacionamos o carr

Peixe

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Sempre gostei de aquários. Desde pequeno, ficava encantado com os aquários que encontrava apenas em casa de tios, amigos e primos. Como criança autista, confesso, ficava lá, de boca aberta, olhando para os peixes, que vez ou outra pareciam olhar para mim e não se importar muito com a minha presença. Quanto mais velho fiquei, mais achava os peixes seres escrotos e metidos. Porra, tô ali dando mó moral pro peixe e ele fica de cu doce ? Porra, faz alguma coisa aê, peixe. Fica nadando o dia inteiro. Faz algo de produtivo pra sociedade. Arruma um emprego, escreve um artigo, sei lá. Peixe de merda. Peguei raiva dos peixes. Um dia, minha irmã foi na Feira da Providência e trouxe um saco de plástico com 3 peixinhos dourados, pequenos. Os peixes dourados são um pouco menos escrotos, mas não deixam de ser, em sua essência, babacas. Eles morreram no mesmo dia. Enquanto ela chorava copiosamente a morte dos peixinhos eu fiquei ali, olhando nos olhos deles, nunca mais esqueci essa cena. Desde então

Dia dos Namorados

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Juliana sai pela porta. Linda, com um vestido longo vermelho, salto alto. Ricardo, dentro do carro, tentando checar quanto tá o jogo do Flamengo pelo celular. Ela abre a porta do carro e o abraça. Joga o cabelo de lado para que ele veja o lindo colar que ela guardou para usar em um momento tão especial. Ele tenta sintonizar a Rádio Tupi AM pra ouvir o jogo. O rádio do carro sempre foi ruim. Só se ouvem ruídos altos e chiados. Ela estranha. - Você consegue ouvir alguma coisa? - Não, más da pra perceber quando é gol. - Abaixa um pouco, bem. Tá alto. - Tá bom assim. Um ruído mais longo se ouve. "ooooosssshooooooshhhhoooo" - Aí. É gol! - De quem? - Não sei. Ele acelera e pára o carro na esquina. Liga o pisca-alerta. Abre a porta do carro e sai em direção ao pé-sujo mais próximo. Ela, dentro do carro ouvindo ruídos e chiados, se estica e o vê se aglomerando em meio à multidão em frente à TV com pay-per-view do pé-sujo. Em seguida, o vê abraçando um mendigo desdentado e sujo com ca

Dengue

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De um tempo pra cá, todo mundo resolveu pegar dengue. Dengue é a doença da moda. Você está sadio? Então você está por fora. A moda hoje em dia é ter dengue. Se for hemorrágica então, mais chique ainda. Lá no trabalho a epidemia pegou forte. Resfriado, febre, gripe e sono do nada passaram a ser chamados de “dengue”. Nisso, muitos começaram a faltar ao trabalho. Nisso, fiquei sobrecarregado, doravante puto. Quer saber, vou pegar dengue também. Também quero ficar em casa de bobeira vendo “Um Amor de Gorila” na Sessão da Tarde. Parece que só as crianças que correm mais risco, então eu só vou ter que ficar de cama mesmo, e de quebra ainda perco alguns quilinhos. Na hora do almoço, fui até a Lagoa de Marapendi, na Barra. Arriei a calça até os joelhos e a camisa até os ombros. Lá com certeza encontrarei o Sr. Aedes Aegypti. Tão vendo, até o nome dele é chique. Chegando perto da lagoa, finalmente o encontro. Ele está encostado numa árvore, mirando o horizonte, pensativo. Aproximo-me e encosto

Erika

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Ah, ela... "Como assim?" Diriam os simplórios. Meu suspiro já continha mil palavras. Ela, com seu sorriso estampado no rosto, veio e me cumprimentou com seus dois beijinhos simpáticos e cordiais. - Prazer, seu bobo. Ah, sim, bobo. Adjetivo implacável e certeiro para este momento. Seu perfume era assim, digamos... foda. Seus cabelos balançavam e refletiam todo o amarelo dos postes antigos das ruas do Leblon, enquanto seu rosto e sorriso captavam toda a luz da lua. Quem serei eu, perto de uma dessas? Com minha timidez e inoportuna introversão, me contenho em apenas admirar com os olhos sorridentes. Ela percebe e sorri, tímida. Meu amigo percebe e intervém. - Ela tá ficando com um amigo meu. Sorrio, sem tirar os olhos dela. Especialista em cortar baratos, ele prossegue. - E o cara é bem grande. Ouviu? Duvido que ele já tenha a olhado da forma como eu a olho agora. E me atrevo a dizer até mais. Atrevo-me a dizer que ela também sabe disso. Qualquer movimento dela faz minha barriga

Fada

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Estava em Copacabana, quando decidi voltar pra casa, já tarde da noite. Ao cruzar a esquina, vejo aquilo. Era um anão gordo e careca vestido de fada. Sua roupa era rosa, ele tinha uma varinha de condão e uma peruca loira mal colocada. Ele veio até a mim e disse: - Bem vindo ao mundo da fantasia, Eduardo. - Que porra é essa ? Pegadinha do João Kleber ? - Você acaba de ser escolhido para entrar no nosso mundo. - Não lembro de ter mandado meu currículo pra nenhuma empresa com esse nome. - Você foi escolhido porque estivemos lhe observando. - Filhos da puta. Vai, fala. Cadê a câmera ? - Cabe a você decidir se prefere ficar no seu mundo ou nos acompanhar até o mundo da fantasia. - Tem que ser agora ? - De preferência. Tenho hora. - Não posso ir lá dar uma olhada não ? Aí eu vejo o que eu prefiro. - Se você entrar no mundo da fantasia não pode sair mais. - Porra. Assim fica foda de escolher. - Eu sei. Passei pela mesma situação. - E por que você escolheu ir pra lá ? - Depois que o The Police