Dengue



De um tempo pra cá, todo mundo resolveu pegar dengue.

Dengue é a doença da moda.

Você está sadio? Então você está por fora. A moda hoje em dia é ter dengue.

Se for hemorrágica então, mais chique ainda.

Lá no trabalho a epidemia pegou forte.

Resfriado, febre, gripe e sono do nada passaram a ser chamados de “dengue”.

Nisso, muitos começaram a faltar ao trabalho. Nisso, fiquei sobrecarregado, doravante puto.

Quer saber, vou pegar dengue também. Também quero ficar em casa de bobeira vendo “Um Amor de Gorila” na Sessão da Tarde.



Parece que só as crianças que correm mais risco, então eu só vou ter que ficar de cama mesmo, e de quebra ainda perco alguns quilinhos.

Na hora do almoço, fui até a Lagoa de Marapendi, na Barra. Arriei a calça até os joelhos e a camisa até os ombros. Lá com certeza encontrarei o Sr. Aedes Aegypti. Tão vendo, até o nome dele é chique.

Chegando perto da lagoa, finalmente o encontro. Ele está encostado numa árvore, mirando o horizonte, pensativo.

Aproximo-me e encosto meu corpo na árvore ao lado. Arreio as calças, passo a mão no pescoço e lanço olhares sexy em direção ao mosquito.

Ele praticamente ignora a minha presença, apenas me olha de rabo de olho e volta seu olhar para o horizonte, enquanto fuma seu cigarro Derby.

- Mosquito... ô mosquito. Me pica, vai. Pica-me.

- Você está procurando o mosquito da dengue?

- Não é você?

- Não, Eduardo. Sou apenas um pernilongo comum. Ali naquela casinha de madeira você pode encontrá-lo. É só perguntar pelo Sr. Aedes.

- Obrigado.

Chego na casinha de madeira e bato na porta.

- Seu Aedes? Sou eu, Eduardo.

- Entra.

Entro na casa e vejo o tão famoso mosquito da dengue sentado em uma cadeira de balanço, com um pacote de Doritos aberto e um six-pack de cerveja Itaipava. O clima era meio blasé e o famoso mosquito me parecia um tanto deprimido, enquanto segurava com força o controle remoto da TV em sua mão.

- Tudo bem seu Aedes?

- Eduardo... estou cansado. Em todos os canais, só falam de mim. Estou na capa de todos os jornais. Não agüento mais essa fama. Falam mais de mim do que do Rafinha do Big Brother.

- Mas você provoca mortes, doenças.

- Ah. Grandes merdas. Eu mato uma criança a cada semana no máximo. O que morre de gente por causa do tráfico, dos acidentes de trânsito... não chega nem perto.

- É verdade.

- Por que eu tenho que ser o vilão, Eduardo? Por quê?

O mosquito da dengue começa a soluçar, chorando.

- Não fique assim.

- Fácil falar, meu caro amigo. Não é você que está sendo perseguido! Caçado! Onde quer que eu vá têm agentes da prefeitura.

- Eles nem fazem lá um bom trabalho...

- Tenho calafrios à noite pensando neles, pesadelos! Acordo suando... onde quer que eu vá vejo suas sombras, esvaziando vasos, pneus. Penso nos meus milhões de filhos. Uma coisa é Raid, Baygon, essas porras. Outra é ver meus filhos sendo exterminados ainda bebês em bueiros, telhados, calhas... é um inseticídio! Mas afinal, o que você veio fazer aqui?

- Hum. Nada. Só vim prestar uma visita.

- Sente-se. Pegue uma cerveja. Gosto de assistir ao Globo Esporte acompanhado.

Ficamos amigos, eu e o Sr. Aedes.

Todo almoço dou uma chegada por lá.

Fim de semana também, pois o seu Aedes tem pay-per-view do Campeonato Carioca.

- Não perco um jogo do meu Fogão. Sou tão Botafogo que até nasci com o uniforme preto e branco.

Lá na casa dele a cerveja é sempre gelada. Doritos e Fandangos à vontade.

Um dia desses, fim de tarde, estávamos eu e o mosquito sentados à beira da Lagoa de Marapendi, vendo o pôr-do-sol. Quando o mosquito, reflexivo, coloca a mão em meu ombro.

- É, parceiro. O verão já acabou... o período de chuvas também. É hora de partir.

- Para onde você vai?

- Ah, Nova Iguaçu... belo local. Bueiros ao céu aberto, casas abandonadas. Lá não vendo tanto jornal quanto aqui. A imprensa carioca é sensacionalista, Eduardo. Cesar Maia filha da puta. E tem mais, preciso aproveitar a vida, já estou velho, meu caro. Já tenho duas semanas de vida, morro semana que vem.

- Sentirei sua falta.

- Caríssimo amigo, amanhã à tarde partirei. Venha para o almoço! Assistiremos ao Globo Esporte juntos pela última vez.

No dia seguinte, ao chegar em sua casinha de madeira, não encontro meu amigo mosquito. Apenas uma carta em cima da mesa.

“Eduardo. Te escrevo das profundezas da caixa-dágua abandonada. Os agentes da prefeitura atenderam ao chamado da Associação dos Moradores. Eles já tomaram a ponte e o segundo salão, nós obstruímos os portões, mas não podemos segurá-los por muito tempo, o chão treme; tambores, tambores nas profundezas. Não podemos escapar, uma sombra se move nas trevas, não podemos escapar, they are coming! Haha, tô zoando. Sei que você gosta de Tolkien! Então, tive que sair mais cedo mesmo. Deixei algumas cervejas na geladeira, fique à vontade. Só te peço pra desligar a tomada antes de sair. Então, me adiciona depois no msn: aedes_aegypti@hotmail.com Abraços!"

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