Erika
Ah, ela...
"Como assim?" Diriam os simplórios.
Meu suspiro já continha mil palavras.
Ela, com seu sorriso estampado no rosto, veio e me cumprimentou com seus dois beijinhos simpáticos e cordiais.
- Prazer, seu bobo.
Ah, sim, bobo. Adjetivo implacável e certeiro para este momento.
Seu perfume era assim, digamos... foda.
Seus cabelos balançavam e refletiam todo o amarelo dos postes antigos das ruas do Leblon, enquanto seu rosto e sorriso captavam toda a luz da lua.
Quem serei eu, perto de uma dessas?
Com minha timidez e inoportuna introversão, me contenho em apenas admirar com os olhos sorridentes.
Ela percebe e sorri, tímida.
Meu amigo percebe e intervém.
- Ela tá ficando com um amigo meu.
Sorrio, sem tirar os olhos dela.
Especialista em cortar baratos, ele prossegue.
- E o cara é bem grande. Ouviu?
Duvido que ele já tenha a olhado da forma como eu a olho agora. E me atrevo a dizer até mais. Atrevo-me a dizer que ela também sabe disso.
Qualquer movimento dela faz minha barriga gelar.
A breve possibilidade de trocar algumas palavras mais longas com ela me faz travar. Os pensamentos, as idéias.
Como sempre tive dificuldade de expressar às meninas que me fazem sentir algo a mais, por ter quase que a certeza de que elas vão perder o interesse por mim, caso eu revele algo além do meu nome e time de coração.
Sempre pensei que, mantendo o mistério, eu guardaria a chance de tê-las em meus braços num futuro utópico que eu sabia que nunca, nunca viria.
Ela vem e se senta conosco.
- E aí, meninos. Quanto tá o jogo?
Chega a ser ridículo, mas quando a admiração é plena, qualquer gesto vindo dela é nobre e soberano.
Perguntar quanto estava o jogo não era curiosidade. Era gentileza, bondade, luz.
Exageros à parte, percebi que olhares sorridentes construíam o nosso diálogo.
Sabia que, contando apenas com meu sorriso e olhar penetrante, tinha chances, até mesmo de abdicar das palavras para despertar interesse e mistério, até mesmo nela.
Uma vez no intervalo do jogo. Todos foram até a varanda conversar. Coloquei-me de lado para responder um SMS.
Uma vez que respondi e levantei a cabeça, percebo que estamos nós dois apenas na varanda.
Ela apoiando os braços na sacada, olhava para o mar torcendo seu pé que insistia em não entrar na sandália.
Ao mesmo tempo em que torcia a boca, sorria, ironizando a si mesma por suas tentativas frustradas de calçar sua sandália esquerda usando apenas o pé.
Olhei para ela e sorri, ela respondeu com um sorriso de volta.
Descalço, coloquei os dedos entre seu pé e sua sandália, simpaticamente atrapalhando suas frustradas tentativas.
Ela ria e batia o pé contra o meu.
Sem trocarmos uma palavra, ríamos como se fôssemos íntimos. Mas ainda crianças.
Ao finalmente calçar seu pé, ela sorriu apenas com a boca e em seguida me mostrou a língua, sem depois conseguir esconder seu lindo sorriso.
Virei para a sacada e sorria de volta, apenas com o olhar.
Ela não escondia sua timidez, pois não conseguia manter seus olhos numa só direção por muito tempo.
Nessas horas, penso demais. Ao mesmo tempo em que não entendia como a deixara assim, não sabia o que dizer, como dizer. Era muita admiração para colocar em palavras.
- Eduardo! Vem ver os melhores momentos!
Melhores momentos do 1o. tempo contra um dos melhores momentos da minha vida.
Mais gente chega na varanda cantando, falando merda e cortando o clima.
Ela volta para a sala com as amigas e eu fico ali, pensando.
Como mostrar, como dizer? Minha certeza de que, ao dizer qualquer coisa, eu estragaria a perfeição do sentimento.
Nada que eu disser vai estar à altura do que ela merece.
Outro amigo meu chega e, já entendendo tudo, discursa sua expertise.
- Eduardo. Se liga. Hoje em dia, mulher gosta é de sinceridade. Se você se amarrou nela, fala exatamente isso: "aí, me amarro na tua".
"Aí. Me amarro na tua...”.
Me convenço mais ainda que palavras não me ajudariam.
O jogo termina. Ela vai embora, sem se despedir.
- Vai, seu liso. Liga pra ela! Fala tudo!
Sei não.
Já aprendi que sinceridade nos coloca em armadilhas traiçoeiras. Expectativas também.
Cada pessoa enxerga o mundo à sua maneira. Pessoas diferentes vivem a mesma experiência de formas diferentes.
Não podemos forçar ninguém a gostar da gente. Somente aprender que a maioria das pessoas só quer receber aquilo que temos de melhor a oferecer para elas.
Poucas pessoas estão dispostas a receber o que temos de melhor e de pior. E são essas pessoas que valem muito, muito, ter sempre ao seu lado.
Nunca mais a encontrei. 3 meses se passaram e pequenas coisas ainda fazem com que eu lembrasse dela.
Tenho certeza que ela já me esqueceu. Pois sou somente mais um certo alguém que cruzou o seu caminho e não, não mudou a direção.
Como tudo nessa vida é relativo, sigo em frente, até porque no fim, as coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito (Shakespeare coça a cabeça no túmulo).
Final triste? La la la...
(Ao som de Feist - One Evening)
Comentários