Hermeto



Hermeto era um rapaz alto, desengonçado e de poucas palavras.

Gostava de sentar sozinho no bar e olhar para as placas dos carros e códigos dos ônibus que passavam, volta e meia soltava baixinho palavras que formava com as letras.

Um potencial Asperger, diria uma grande amiga minha.

Um copo de Coca Zero que mais servia de adorno que qualquer outra coisa, era o que permitia sentar ali no bar, em sua cadeira favorita.

Me aproximei dele através de um amigo, que se divertia tratando de assuntos do cotidiano com Hermeto.

Sua visão sobre o mundo era algo um pouco fantasioso, fora da caixa, ingênuo, mas sempre interessante.

Meus amigos insistiam em ver somente o lado cômico e se divertiam no bar com as famosas “frases do Hermeto”.

Um dia finalmente me sentei somente eu com ele, pois via que estava um pouco inquieto, como se precisasse falar algumas coisas.

- Fala, Hermeto.
- E aí.
- Tá balbuciando aí, cara? Que foi?
- Tô pensando na vida, essa coisa.
- Que que tem?
- É engraçado, a gente é iludido o tempo todo... as pessoas mentem muito, pois querem preservar uma verdade ideal.
- Como assim?
- As pessoas sempre querem passar uma imagem, através de roupas, frases, atitudes, comportamento.. daquilo que julgam ser ideal. Ideal para a sociedade, mas não ideal para eles.
- Sim, até porque as pessoas crescem aprendendo a imitar as outras, inclusive as pessoas famosas...
- A imagem do sucesso.
- Sim, o que a sociedade considera sucesso.
- Sucesso social, mas não é o sucesso pessoal!
- Mas qual seria esse sucesso pessoal?
- Não sei, tô tentando descobrir.

Silêncio.

- Você é feliz, Eduardo?
- Eu acho que felicidade é um estado de espírito. Acredito na satisfação pessoal.
- Você está satisfeito?
- As vezes sim, as vezes não. Acho que isso é normal. E você?
- Eu não sei. Mas parece que a maioria das pessoas são felizes e satisfeitas.
- Talvez porque elas querem passar essa idéia pra você.
- E quando a gente sabe se é verdadeiro ou só fachada?
- Acho que não cabe a gente.. a gente tem que se preocupar com a nossa..
- Entendi.
- Você se preocupa com a sua, Hermeto?
- Não... não me preocupo porque eu faço o que eu gosto.
- O que você gosta?
- Gosto de sentar aqui nesse bar, Eduardo. Tomar minha Coca Zero, e ver as placas dos carros... isso me faz feliz. Os outros me zoam, dizem que eu sou maluco, mas não entendo por que fazer o que gosto é errado.
- Cara... não tem nada de errado.

Ele me olhou com uma expressão de dúvida primeiro, depois esboçou um sorriso e voltou seus olhos para a rua com cara fechada, e soltou sua última frase aquele dia levantando seu copo, como um suspiro.

- Maluco é quem deixa de fazer o que gosta por causa dos outros...

Isso aí, Hermeto.

Comentários

Lívia disse…
OTIMO!!!!

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